A cascata coagulativa
Anúncios
Bioquimicamente, uma das funções mais maravilhosas do sangue é a coagulação do sangue, através de cascatas (um processo que ativa outro processo, que ativa outro, sucessivamente)! São doze fatores que compõem a coagulação humana, que podem ser divididos em dois caminhos: intrínseco e extrínseco… Eis uma animação da cascata (em inglês):
Como sendo uma função essencial ao organismo, a coagulação tem de ser precisa, rápida, infalível! Estancar todo o ferimento, sem correr o risco de obstruir toda a corrente sanguínea, enfim. Cerca de 2 a 3 por cento do total de proteínas no plasma sanguíneo (a parte que sobrou após as células vermelhas do sangue são removidas) é constituído por uma complexa proteína chamada fibrinogênio. Fibrinogênio é fácil de lembrar, porque a proteína «faz fibras» que formam o coágulo. Contudo, o fibrinogênio é apenas o potencial material coagulador. Quase todas as outras proteínas estão efetivamente envolvidas no controle da coagulação do sangue e colocação do coágulo, além de controlar as etapas da cascata e regular cada evento. O fibrinogênio é um composto de seis cadeias de proteínas, contendo pares “gêmeos” de três proteínas diferentes.
Microscópio eletrônico mostrou que o fibrinogênio é uma molécula em forma de haste, com duas saliências redondas sobre cada extremidade da haste. Assim, o fibrinogênio se assemelha a um conjunto de barras com um conjunto extra de pesos no meio da barra. Normalmente, o fibrinogênio se dissolve no plasma, como o sal é dissolvido em água. Ele flutua livremente, desapercebido, até que um corte ou ferimento provoca hemorragia. Em seguida, uma outra proteína, chamada trombina “corta” vários pedaços pequenos de dois dos três pares de cadeias de proteínas do fibrinogênio Esses vários pedaços, agora chamados de fibrina, se agrupam em longos “fios”, ao invés de formar um grande “chumaço”, que cobriria menos trechos e exigiria mais proteínas no processo. Trombina, que corta pedaços do fibrinogênio, é como uma serra circular, mas o que seria do processo se só houvessem essas duas proteínas? Certamente seria um descontrole, a trombina poderia fatiar todo fibrinogênio do sangue, fazendo tanta fibrina que congestionaria e terminaria obstruindo o sistema circulatório do animal.. Seria o fim! Afim de evitar isso, o sistema tem de controlar a trombina.
A cascata
O sangue normalmente armazena enzimas (proteínas que catalizam, aceleram uma reação química) em estado inativo, para uso posterior. Essas formas inativas são chamadas proenzimas (ou zimógeno). Quando um sinal de alerta é recebido para certa enzima ser utilizada, a proenzima correspondente é ativa. Trombina existe numa forma inativa, protrombina. Por estar inativa, ela não pode fatiar o fibrinogênio, barrando o processo de coagulação. Aí mora o dilema, a necessidade de controle rigoroso: se não cessado, a trombina ia cortar todo fibrinogênio, causando morte, mas também, sem um processo que ligasse ela, o sistema de coagulação não iria jamais iniciar, e não bastaria apenas fatiar várias fibrinas aleatoriamente; estas apenas ficariam flutuando pelo sangue sem estancar o local machucado. Não a toa a cascata entra em ação! Uma proteína chamada fator Stuart (ou fator X) fatia protrombina, tornando-a em uma ativa trombina, que então fatia o fibrinogênio, que forma a fibrina. Mas, novamente, somente estas 3 proteínas não seriam suficientes para gerir todo o processo. Neste ponto, há uma pequena inversão de ordem no processo. Mesmo o fator Stuart não pode ativar a protrombina! Misture ambas proteínas em um tubo de ensaio o tempo que for, notar-se-à que nenhuma trombina se formará. E aí que outra proteína, acelerina, é necessária, para aumentar a atividade do fator Stuart. A dinâmica duo-acelerina e o fator X ativados cortam a protrombina rápido o bastante para auxiliar no sangramento do animal. Então, neste processo precisamos de duas proteínas separadas para ativar uma proenzima.
Sim, acelerina também existe em forma inativa, chamada proacelerina! E o que ativa ela? Trombina! Mas como vimos, esta está ainda mais abaixo na cascata regulatória do que proacelerina. No entanto, devido a baixa velocidade de fatiamento da protrombina pelo fator Stuart, sempre encontra-se traços da primeira na corrente sanguínea. Coagulação, portanto, é auto-catalítica, porque proteínas no sangue aceleram a produção de mais das mesmas proteínas!
Temos de voltar atrás um pouco na história aqui, porque, como visto, protrombina, como inicialmente produzida pela célula, não pode ser tornada em trombina, mesma na presença do fator Stuart e acelerina ativadas. Protrombina deve ser antes modificada ao ter-se 10 aminoácidos específicos residuais, chamados resíduos glutamatos (Glu) convertidas em γ-carboxyglutamate residuais (Gla). A modificação pode ser comparada ao colocar a mandíbula junto ao maxilar superior do crânio. A estrutura completa pode morder e segurar o objeto mordido; sem a mandíbula, o crânio não pode abocanhar. No caso da protrombina, resíduos Gla “mordem” (ou se ligam) cálcio, permitindo que a protrombina se fixe na superfície das células. Apenas o complexo cálcio-protrombina intacto e modificado, se apega a uma membrana celular, pode ser repartido pelo fator Stuart ativado e acelerina, para virar trombina.
A modificação da protrombina não ocorre por acidente. Como praticamente todas as reações bioquímicas, ela requer catalise por parte de uma específica enzima. Porém, além da enzima, a conversão de Glu para Gla necessita outro componente: vitamina K. Esta não é uma proteína, porém, uma pequena molécula, como o 11-cis-retinal (que compõe a bioquímica da visão). Como uma arma necessita de balas, a enzima que transforma Glu em Gla necessita de vitamina K para trabalhar. Um tipo de veneno para ratos é baseado no papel que a vitamina K tem na coagulação do sangue. O veneno sintético chamado “warfarin”, foi feito para parecer igual a vitamina K para as enzimas que a usam. Quando o rato come comida envenenada com warfarin, sua coagulação é afetada, pois a protrombina não é mais modificada nem fatiada, o que leva o animal a sangrar até a morte.
Agora temos de saber o que ativa o fator Stuart. Veremos que ele pode ser ativado por meio de duas diferentes rotas, chamadas intrínsecas e extrínsecas. Na rota intrínseca, todas as proteínas requeridas para a coagulação estão já contidas no plasma do sangue; na rota extrínseca alguma destas proteínas ocorrem nas celulas. Vamos primeiro examinar a rota intrínseca.
Quando um animal sofre corte, uma proteína chamada fator Hageman se fixa na superfície das células próximas a ferida. Esta proteína é então partida em pedaços por uma proteína chamada HMK, daí produzindo fator Hageman ativo. Imediatamente o fator Hageman ativado converte outra proteína, chamada precalicreína, em sua forma ativa, calicreína. Está auxilia HMK a acelerar a conversão de fator Hageman para sua forma ativa. Fator Hageman e HMK juntas transformam outra proteína de nome PTA, em sua forma ativa. PTA ativa por sua vez, unida a forma ativa de outra proteína, a convertina, ativam a proteína nomeada fator Christmas (Natal em inglês). Finalmente, o fator Christmas, junto com o fator anti-hemofílico (que por sua vez é ativado pela trombina de uma maneira semelhante a da proacelerina) mudam o fator Stuart para sua forma ativa.
Assim como com a rota intrínseca, a rota extrínseca é também uma cascata. Ela começa quando uma proteína chamada proconvertina é convertida em convertina pelo fator Hageman e pela trombina. Na presença de outra proteína, o fator tissular (também chamado tromboplastina ou fator III, CD142), convertina muda o fator Stuart em sua forma ativa. Fator tissular, porém, apenas ocorre no exterior de células que geralmente não estão em contato com o sangue. Portanto, apenas quando uma lesão traz tecido em contato com o sangue é que a rota extrínseca se inicia.
Ambas as rotas se cruzam em inúmeras etapas. O fator Hageman, ativado pela rota intrínseca, pode ativar a proconvertina da rota extrínseca. Convertina pode então colaborar na rota intrínseca ajudando a PTA a ativar o fator Christmas. Trombina sozinha pode disparar ambas rotas da cascata ao ativar o fator anti-hemofílico, que é exigido para ajudar o ativo fator Christmas na conversão do fator Stuart à sua forma ativa, e também ao ativar proconvertina. Ufa! Que complexidade, não? Mas, não descansa ainda, porque não terminamos nossa cascata!
Uma vez que a coagulação começa, nos perguntamos o que a faz parar no tempo correto, antes que possa solidificar todo o sangue animal (e matá-lo)? A coagulação é confinada ao local da ferida por vários meios. Primeiro, uma proteína do plasma chamada antitrombina se liga nas formas ativas (mas não nas inativas) de boa parte das proteínas, e torna-as inativas. Antitrombina por si só é relativamente inativa, até que se ligue a substância de nome heparina. Esta ocorre dentro das células e vasos sanguíneos não-danificados. Um segundo meio que torna a coagulação local, e não geral é a ação da proteína C. Após sua ativação por parte da trombina, proteína C destrói acelerina e o fator anti-hemofílico. Finalmente, uma proteína chamada trombomodulina se enfileira na superfície das células na parte de dentro dos vasos. Esta se liga a trombina, tornando-a menos eficiente ao cortar fibrinogênio e simultaneamente mais capaz de ativar a proteína C.
Quando um coágulo se forma, ele é inicialmente frágil: se a área danificada for atingida o coágulo pode facilmente ser rompido, e sangramento recomeça. Para evitar isso, o organismo tem um método para reforçar o coágulo depois de formado. Fibrina agregada é “amarrada” por uma proteína ativada chamada FSF (fator estabilizador de fibrina), que forma enlaçamentos e cruzamentos químicos entre diferentes moléculas de fibrina. Eventualmente, o sangue coagulado tem de ser removido após o processo de cura da ferida estar em um estágio avançado. Uma proteína, a plasmina, age como uma, digamos, tesoura especializada em cortar os coágulos de fibrina. Felizmente, a plasmina não atua diretamente no fibrinogênio. A plasmina não pode agir tão rápido, senão a ferida não teria tempo suficiente para se curar por inteiro. Ela ocorre inicialmente numa forma inativa chamada plasminogênio. Conversão de plasminogênio em plasmina é catalizada pela proteína t-PA. Existem outras proteínas que controlam a dissolução do coágulo, incluindo α2-antiplasmina, que se liga a plasmina, evitando esta de destruir a fibrina.
Como podemos ver, essas etapas todas, desde o início da cascata, a ativação intermitente de cada proteína, o tempo preciso, o passo-a-passo do processo até a remoção final do coágulo, quando a ferida sara, é parte de um complexo e intrincado todo, onde qualquer falha ou mal ajuste poderia ser danoso, fatal. Então imaginar que tudo isso seja fruto de meros processos “naturalistas”, cegos, aleatórios, irracionais, é ir contra o bom senso e lógica, sem mencionar as probabilidades. Exemplo, o TPA tem quatro tipos diferentes de domínios, as chances dela aparecer por sorte são de 30.000 elevada à quarta potência!
Não à toa, Torben Halkier (1992, 104) afirma claramente, sobre a coagulação:
“Um sistema desse tipo não pode jamais permitir variações. O sucesso do processo da coagulação se deve à finamente ajustada modulação e regulagem das digestões proteolíticas parciais que ocorrem. Insuficiente ou excessiva atividade podem ser igualmente nocivos para o organismo. Regulagem é a questão central na coagulação do sangue.”
Existem outros mecanismos que auxiliam no estancamento do sangue, exemplo, o corpo pode contrair os vasos próximos ao local cortado, reduzindo o fluxo de sangue na região. Também existem células sanguíneas chamadas plaquetas, que grudam na região ferida, como tijolinhos, ajudando a vedar a ferida. Mas a coagulação é a principal, e mais magnífica, elaborada de todos!
Exemplo insigne de complexidade irredutível
Vimos acima um resumo geral do funcionamento assombrosamente complexo da coagulação, componentes integrantes interligados caminhos intrínseco e extrínseco, etc. Ainda assim, naturalistas (aqueles que defendem que tudo surgiu através de processos naturais, auto-causados, algo inerente ao materialismo) insistem a todo custo e contra todas as evidências que a coagulação surgiu por meio da cega, aleatória, gradual evolução. Será mesmo possível que isso tenha ocorrido? Temos grandes personalidades como Russell Doolittle,Keith Robinson e Ken Miller defendendo essa posição, mas somente vamos nos focar no mais qualificado, em termos de coagulação, dos três:
Russell Doolittle, professor de bioquímica na University of California, San Diego, expert renomado em coagulação, teve publicada no Boston Review de 1997 uma dissertação referente a questão apresentada por Behe no seu livro Darwin’s Black Box (Caixa-preta de Darwin) sobre a complexidade irredutível da coagulação. Em um prefácio sobre a homologia (Semelhança de estruturas e origem entre órgãos ou partes de diferentes organismos) da globina, ele destacou que “os genes para novas proteínas vem de genes que já produzem outras proteínas através de duplicação genética”, e logo após complementa dizendo que “este mesmo tipo de cenário pode ser reutilizado para explicar outros processos fisiológicos, como a coagulação do sangue”. Mais adiante ele cita um artigo de Bugge et al. (Bugge et al. 1996) entitulado “Loss of fibrinogen rescues mice from the pleiotropic effects of plasminogen deficiency” (perda de fibrinogênio resgata ratos dos efeitos pleiotrópicos da deficiência plasmogênica), sobre o qual ele comenta:
“Recently the gene for plaminogen [sic] was knocked out of mice, and, predictably, those mice had thrombotic complications because fibrin clots could not be cleared away. Not long after that, the same workers knocked out the gene for fibrinogen in another line of mice. Again, predictably, these mice were ailing, although in this case hemorrhage was the problem. And what do you think happened when these two lines of mice were crossed? For all practical purposes, the mice lacking both genes were normal! Contrary to claims about irreducible complexity, the entire ensemble of proteins is not needed. Music and harmony can arise from a smaller orchestra.” (Doolittle 1997)
Traduzindo:
“recentemente o gene do plasminogênio foi “nocauteado” em ratos, e, como previsto, esses ratos tiveram complicações trombóticas devido aos coágulos de fibrina não poderem mais serem eliminados. Não muito depois disso, os mesmos pesquisadores nocautearam o gene do fibrinogênio em outro grupo de ratos. Novamente, como previsto, esses ratos ficaram enfermos, embora, neste caso, HEMORRAGIA foi o problema da vez. E, o que você acha que aconteceu quando esses dois grupos de ratos se cruzaram? Na prática, os ratos que careciam de ambos os genes eram normais! Contrário à alegação sobre complexidade irredutível, o conjunto inteiro de proteínas não é essencial. Música e harmonia podem ser obtidas com uma orquestra reduzida.” (Doolittle 1997)
Da forma que Doolitle escreveu podemos ser levados a concluir que a cascata não é mesmo irredutível, e como tal, podendo funcionar perfeitamente sem um ou mais componentes. Isso segue a linha de pensamento evolucionista, que assevera que tudo que se encontra em organismos vivos surgiu através do “passo-a-passo”, componente após componente, peça após peça, sendo agregadas ao longo de milhões de anos, até atingirem o formato completo. Porém, o artigo de Thomas Bugge, apesar do título, de maneira alguma favorece a tal linha evolutiva gradualista, pelo contrário. Bugge no abstrato relata o seguinte, sobre a carência de plasminogênio:
“Plasminogen (Plg) deficiency in mice results in high mortality, wasting, spontaneous gastrointestinal ulceration, rectal prolapse, and severe thrombosis. Furthermore, Plg-deficient mice display delayed wound healing following skin injury.”
“Deficiência de plasminogênio em ratos resulta em alta mortalidade,síndrome consumptiva, ulceração gastrointestinal espontânea, prolapso retal e trombose severa. Ademais, ratos deficientes em Plg demonstram feridas que demoram a sarar após lesionar-se a pele.”
Com relação a inutilização do gene que codifica o fibrinogênio, o resultado será falha total em coagular, hemorragia recorrente e nas fêmeas:
“pregnancy uniformly results in fatal uterine bleeding around the tenth day of gestation.” (Suh et al.1995)
“Gravidez uniformemente resulta em hemorragia uterina fatal por volta do décimo dia de gestação”
O que Bugge realmente infere em seu artigo é que um filhote resultante do cruzamento de pais com cada uma das deficiências (e que portanto, sofrerá de deficiência dos dois fatores) não sofrerá de todos os problemas apresentados por ratos deficientes apenas em plasminogênio. De maneira alguma tais filhotes são “normais”, como enganosamente afirmou Doolittle. Bugge inclusive afirma claramente que:
“Mice deficient in plasminogen and fibrinogen are phenotypically indistinguishable from fibrinogen-deficient mice.”
“Ratos deficientes em plasminogênio e fibrinogênio são fenotipicamente indistinguíveis de ratos deficientes em fibrinogênio (apenas).”
Ausência de Plasminogênio | Ausência de Fibrinogênio | Ausência de ambos |
*Trombose *Ulceras *alta taxa de mortalidade | *ausência de coagulação *hemorragia *morte durante a gestação | *ausência de coagulação *hemorragia *morte durante a gestação |
Tabela com a ausência dos fatores e os respectivos sintomas
Uma análise mais profunda dos mesmos artigos na verdade se demonstra ser um agravante para as alegações de Doolittle&CIA.. Os sintomas patológicos dos ratos carentes de plasminogênio são resultantes da incapacidade dos seu organismo em dissolver os coágulos, que se aglutinam no sangue, causando trombose severa, levando ao altíssimo nível de mortandade nos tais. Tal problema não ocorre nos outros dois grupos de ratos, visto nem coagulação eles possuem (ainda assim sofrem de hemorragias e mortes durante gestação).
Portanto, vemos claramente que, ainda pior do que não ter um certo fator, é ter um fator que seja desregulado! De nada adianta desenvolver a capacidade de fazer coágulos sem qualquer regulação, só para depois de um cortezinho qualquer, o organismo morrer em decorrência de uma trombose avassaladora…
Um ponto final sobre os argumentos de Doolittle; no inicio lemos que ele discutiu primeiro sobre a globina e como genes alegadamente podem surgir através de duplicação genética, correto? Mas depois, ele suscita um exemplo onde genes foram destruídos, e não duplicados/evoluidos. Ao invés de apresentar novos genes surgindo, ele apresenta a perda de genes…
Quadro clínico de desordens sanguineas
Fator essencial que é, a coagulação, assim como toda a hemóstase, é alvo de estudos incessantes por parte de pesquisadores, médicos, que através disso, desvendaram vários tipos de doenças sanguíneas e suas respectivas causas. Uma visão panorâmica desse espectro clínico torna ainda mais implausível levar a evolução seriamente.
Hemofilia
Um grupo de desordens genéticas hereditárias que causam complicações à habilidade do organismo de realizar a coagulação apropriadamente. Essas desordens não causam maior grau de sangramento, mas sim, prolongamento do tempo de duração do mesmo, ou, dependendo do caso, pode causar que o sangramento jamais estanque. Quais são suas causas? Vejamos os três tipos de hemofilia existentes:
–Hemofilia A: doença recessiva ligada ao cromossomo X envolvendo deficiência de Fator VIII (fator anti-hemofílico) funcional. Representa 80% dos casos de hemofilia, sendo portanto, conhecida como hemofilia clássica. Afeta 1 em cada 5.000 a 10.000 pessoas do sexo masculino (fonte);
–Hemofilia B: doença recessiva também ligada ao cromossomo X causada pela deficiência de Fator IX funcional (Fator Christmas). Ocorre em 1 em cada 20.000-34.000 nascimento de bebês do sexo masculino;
–Hemofilia C: doença autossômica (portanto, não ligada ao cromossomo X) envolvendo deficiência no Fator XI (PTA ou fator de Rosenthal), afeta homens e mulheres igualmente. Comum entre judeus de Asquenaze (grupo que inclui figuras como Freud e Einstein!).
A maioria dos casos de hemofilia, principalmente dos dois primeiros tipos, atinge majoritariamente homens pelo seguinte:
Mulheres possuem dois cromossomos X (XX); homens possuem um gene X e um Y (XY). Os fatores VIII e IX somente são encontrados no cromossomo X (interessante que certos estudiosos afirmam que o cromossomo Y é somente uma cópia degenerada do X (fonte)… Se fosse assim, porque então essa “cópia” carece dos genes para codificar os dois fatores?). Logo, se uma menina, por exemplo, herda um cromossomo X defectivo, seja do pai ou da mãe, o outro cromossomo (contendo genes funcionais), irá cobrir a carência do cromossomo defeituoso (portanto, para uma mulher contrair hemofilia A ou B, precisará de herdar dois cromossomos X defeituosos, coisa bem rara). Já com os homens, a coisa se complica. Como só possuem um cromossomo X, caso venham a herdar um defectivo, não haverá outro cromossomo X com os genes para codificar tais fatores, e recompensar o cromossomo defectivo).
Como podemos ler em um artigo da Wikipedia (link):
“There are numerous different mutations which cause each type of haemophilia.”
“Existem numerosas mutações diferentes que causam cada tipo de hemofilia”
Bem, é comumente defendido por teóricos que mutações podem ser benéficas, inclusive levando ao surgimento do amplo material genético e de cada órgão, fator biológico.. Porém, a comunidade médica tem coletado ao longo dos anos dados e mais dados sobre desordens causadas por mutações. De fato, existem mais de 10 mil desordens genéticas catalogadas atualmente (fontes: OMIM; WHO), e muito mais estão sendo descobertas diariamente…
Deficiência de vitamina K
Como o próprio nome já diz, essa desordem é causada pela quantidade insuficiente dessa vitamina, seja a K¹ ou K², no sangue. Por conta disso, menos resíduos-Gla são formados, ativando menos proteínas-Gla.
Sintomas incluem equimose,petéquia, hematomas, dores estomacais, risco de sangramento excessivo, calcificação de cartilagens, severa má-formação óssea ou depósitos de cálcio insolúvel nas paredes arteriais… O caso é mais recorrente em recém-nascidos, pois estes nascem com pouca ou nenhuma flora bacteriana intestinal, e como estas são responsáveis por sintetizar a maior parte da vitamina K de um humano, complicações pela carência da mesma tendem a afetar bebês grandemente.
Coagulação intravascular disseminada
A coagulação intravascular disseminada (CID ou CIVD), é um processo patológico no qual o sangue começa a coagular por todo o corpo. Isso diminui o número de plaquetas e fatores de coagulação do corpo, existindo, paradoxalmente, um risco aumentado de hemorragia.
Trata-se de uma síndrome clínica mal caracterizada, que consiste na ativação sistêmica da coagulação sangüínea, com a conseguinte formação e deposição de fibrina, provocando trombose microvascular e disfunção isquêmica de diferentes parênquimas.
Pode ser causado por cânceres, traumas, queimaduras, hipertermia, infecções bacteriais, fungos, protozoários e vírus, males hepáticos, choque térmico, vasculite, etc…
Doença de Von Willebrand
Muitas vezes confundida com hemofilias, é a mais comum anormalidade coagulativa hereditária. Ela é causada por deficiências quantitativas ou qualitativas no Fator de von Willebrand, requerida para adesão plaquetária. Afeta inclusive cães (principalmente da raça Pinscher), suínos, gatos e gados.
Existem três formas da doença: herdada, adquirida e pseudo ou tipo plaquetário, cada forma tem subtipos diferentes. Dos tipos hereditários, encontram-se subtipos que variam, alguns apresentam problemas na quantidade do fator (abaixo do necessário, como no tipo 1, onde detecta-se 10 a 45% da quantidade normal), outros, como do tipo 2, apresentam problemas qualitativos, onde a quantidade do fator é normal, mas as proteínas são defeituosas, com multímeros estruturalmente anormais, faltosos, defeitos na capacidade de se ligar ao receptor da glicoproteina 1 (GP1) (Tipo 2A), “ganho de função” (Tipo 2B), onde a capacidade de ligação aumenta, levando a espontanea ligação às plaquetas e subsequente liberação rápida de plaquetas e dos maiores multimeros do fator, podendo levar a trombocitopenia.
O pior tipo é o Tipo 3, onde ocorre a completa cessação da produção do fator. A ausência desse fator, que protege o fator VIII da degradaçãoproteolítica, leva a um extremamente baixo nível desse último no sangue, equivalente ao que é visto na hemofilia A mais severa.
O gene que codifica o Fator vW encontra-se no cromossomo 12 (12p13.2), contendo 52 exons.
Trombocitopenia
Causa a diminuição de plaquetas no sangue. O normal valor delas é de 150.000 a 540.000 plaquetas por microlitro. É aceito que valores abaixo de 50.000/ml representam sintoma da desordem. Pode ser causada por inúmeros fatores, como deficiência em Vitamina B12 ou ácido fólico, leucemia, reduzida produção de trombopoietina pelo fígado, dengue, certas anemias, síndrome de Bernard-Soulier, síndrome de Alport, etc.
Síndrome de Bernard–Soulier
Rara síndrome recessiva autossoma que causa deficiência de glicoproteína lb (Gplb), receptor do fator von Willebrand. É caracterizada por causar plaquetas anormalmente grandes. Existe em 3 formas:
–Tipo A: causado por mutações no gene GP1BA;
–Tipo B: causado por mutações no gene GP1BB;
–Tipo C: causado por mutações no gene GP9;
Uremia
Uma doença que segue a insuficiência renal, que por isso, os rins não excretam apropriadamente os dejetos nitrogenados, ureia, etc, que se acumulam na corrente sanguínea. Essa desordem pode causar anorexia, fadiga, dor nos ossos, leva ao coma, vômitos, pericardite urêmica, reduzir níveis de eritropoietina no sangue, hormônios sexuais, enfraquecer ossos.
Afibrinogenemia congênita
Rara desordem hereditária na qual o sangue não coagula apropriadamente por carência ou mal-funcionamento do fibrinogênio (Fator I). É causado por mutações (que novidade) nos genes (FGA, FGB e FGG, aglomerados na região de 50kb no cromossomo 4 {4q31}) responsáveis pelos 3 polipeptídeos (Aα, Bβ, e γ) do fibrinogênio, que é então sintetizado nos hepatócitos (fonte: DOI: 10.1002/humu.20483).
Trombastenia de Glanzmann
A Trombastenia de Glanzmann (TG) é uma síndrome hemorrágica autossômica recessiva rara (e severa) que afeta a linha megacariocítica, caracterizado por déficit de agregação plaquetária. A base molecular está ligada a anomalias quantitativas e/ou qualitativas da glicoproteína IIb/IIIa, o receptor que media a ligação das proteínas de adesão que asseguram a formação do agregado coagulativo. Causa uma série de hemorragias em diversas mucosas, como na gengiva, parede gastro-intestinal, etc. Pode causar também hemartrose, isto é, hemorragia na região das juntas.
Deficiência de Fator V (proacelerina)
Diversas desordens são relacionadas a alterações/mutações nesse fator (ou melhor, co-fator), como a paraemofilia, trombose venosa, trombofilia (tendência de formar coágulos excessivamente mesmo sem lesão ocorrer). A mutação mais comum, o “fator V Leiden”, ocorre por uma (única) substituição de um resíduo de arginina por uma glutamina, na posição R506Q. Todas as mutações levam a uma resistência do fator à clivagem por parte da proteína C, o que o leva a permanecer ativo e aumentar a taxa de geração de trombinas.
Deficiência no Fator X (Fator Stuart, ou protrombinase)
Fator codificado por um gene localizado no cromossomo 13 (13q34). Deficiência no mesmo pode ocasionar hemartrose, perda de sangue gastrointestinal, amiloidose, e sua variante, amiloide púrpura, onde ocorre manchas arroxeadas na pele por conta de sangramentos internos.
Deficiência no Fator XII (Fator Hageman)
Codificado pelo gene F12, possui 596 aminoácidos divididos em dois domínios, interligados por ligações dissulfeto. Deficiência hereditária autossômica no mesmo , diferente de deficiência em outros fatores, não leva a sangramento excessivo, o que leva a crer que tal fator não é envolvido nos primeiros estágios da coagulação, mas certamente na parte final da mesma. Excessiva quantidade desse fator predispõe um risco maior de trombose venosa (Kroll, Michael H. (2001). Manual of Coagulation Disorders).
Deficiência de C1INH (Angioedema hereditário)
Rara doença sanguínea autossômica que causa ataques episódicos de inchaços que podem ocorrer na face, extremidades, genitais, trato gastrointestinal e vias aéreas superiores. Causada pela deficiência de inibidor esterase C1, proteína do Sistema complemento, parte integrante do sistema imunológico , . 80% a 85% das mutações causam reduções na taxa de inibitor C1 (tipo I); 15% a 20% causam produção de proteínas inibidoras C1 ineficazes (Tipo II). Tipo III do angioedema é muito raro, acomete principalmente mulheres e é exacerbado pelos altos níveis de estrogênio. Esse tipo não é causado por deficiência no C1, mas sim com crescente atividade da quininogenase levando a exagerados níveis de bradiquinina. A proteína C1 é codificada pelo gene C1-INH (ou gene SERPING1). Mais de 200 mutações nesse gene foram vinculados a manifestações de angioedema. Já o angioedema tipo III é causado por mutações no gene F12, que também codifica o Fator XII.
Fontes:
Behe, M. J. (1996). Darwin’s black box: the biochemical challenge to evolution. (The Free Press: New York.)
Bugge, T. H., Flick, M. J., Daugherty, C. C., and Degen, J. L. (1995). Plasminogen deficiency causes severe thrombosis but is compatible with development and reproduction. Genes and Development 9, 794-807.
Bugge, T. H., Kombrinck, K. W., Flick, M. J., Daugherty, C. C., Danton, M. J., and Degen, J. L. (1996). Loss of fibrinogen rescues mice from the pleiotropic effects of plasminogen deficiency. Cell 87, 709-719.
Doolittle, R. F. (1997). A delicate balance. Boston Review [Feb/March], 28-29.
Suh, T. T., Holmback, K., Jensen, N. J., Daugherty, C. C., Small, K., Simon, D. I., Potter, S., and Degen, J. L. (1995). Resolution of spontaneous bleeding events but failure of pregnancy in fibrinogen-deficient mice. Genes and Development 9, 2020-2033.
Anúncios
Anúncios
Nenhum comentário:
Postar um comentário